Uma empresa de moeda digital detém mais ouro do que a maioria dos bancos centrais nacionais, e isso é apenas o começo. Até setembro de 2025, as reservas de ouro da Tether já haviam disparado para 116 toneladas, avaliadas em cerca de 12.9 bilhões de dólares.
Esse volume faz com que ela ultrapasse as reservas de ouro dos bancos centrais de países como Austrália, República Tcheca, Dinamarca, entre outros, entrando para o grupo dos 30 maiores detentores de ouro do mundo.
Mais impressionante ainda é a velocidade de compra — no último ano, a Tether aumentou suas reservas em uma média de mais de 1 tonelada de ouro por semana, ritmo que a coloca em terceiro lugar entre os bancos centrais globais, atrás apenas do Cazaquistão e do Brasil, superando até mesmo os bancos centrais da Turquia e da China.
1. O Gigante do Ouro: Escala e Velocidade
● No campo das reservas de ouro, a Tether tornou-se silenciosamente uma força impossível de ignorar. Segundo o relatório mais recente do banco de investimentos Jefferies, estima-se que a Tether atualmente detenha pelo menos 116 toneladas de ouro, das quais 12 toneladas apoiam seu token XAUt e cerca de 104 toneladas sustentam o USDT.
● Esse volume faz dela o maior detentor de ouro não soberano do mundo, com força comparável à de pequenos bancos centrais. A velocidade de acumulação de ouro da Tether também impressiona. Somente no terceiro trimestre de 2025, ela aumentou suas reservas em cerca de 26 toneladas de ouro, o que equivale a 2% da demanda global total de ouro.
Essa velocidade de compra supera até mesmo a maioria dos bancos centrais.
2. Estratégia: Mais do que Acumular Barras de Ouro
● A estratégia de ouro da Tether vai muito além de simplesmente acumular barras; ela está construindo um ecossistema completo de ouro. Ao contrário da maioria dos bancos centrais, que armazenam ouro no Bank of England ou no Federal Reserve de Nova York, a Tether optou por construir seus próprios cofres e fazer a custódia por conta própria.
● O CEO Paolo Ardoino revelou que a Tether já construiu “um dos cofres mais seguros do mundo” na Suíça e está construindo um segundo cofre em Singapura para atender ao mercado asiático.
● Mais estrategicamente, a Tether está se posicionando em toda a cadeia de valor do ouro. Em junho de 2025, a entidade de investimentos da Tether anunciou um investimento na empresa canadense Elemental Altus Royalties, listada em bolsa e especializada em royalties e participações em metais preciosos, especialmente ouro.
● Com essas operações, a Tether pode adquirir até mais de um terço das ações da Elemental Altus, tornando-se um “acionista âncora” dessa empresa de royalties de ouro.
● Além disso, a Tether está recrutando talentos do setor financeiro tradicional. Segundo relatos, a Tether contratou a peso de ouro dois dos principais traders globais de metais preciosos do HSBC: Vincent Domien, chefe global de trading de metais, e Mathew O’Neill, chefe de financiamento de metais preciosos para a região EMEA.
3. Motivações Profundas: Reservas Diversificadas e Hedge de Risco
Por trás dessa alocação massiva de reservas de ouro pela Tether está uma filosofia de ativos e uma estratégia de hedge de risco bem definidas.
● O CEO da Tether, Paolo Ardoino, já afirmou em diversas ocasiões que considera o ouro como o “bitcoin da natureza” — igualmente escasso e testado ao longo do tempo, sendo que um existe no mundo físico e o outro no digital. Sob essa filosofia, a Tether vê o ouro como uma das bases seguras de seu balanço patrimonial.
● Primeiramente, o ouro é uma ferramenta eficaz para se proteger contra riscos extremos do sistema do dólar. O USDT já atingiu um volume comparável ao de moedas de pequenos países ou sistemas bancários regionais.
Isso obriga a Tether a considerar cenários extremos: se no futuro a regulamentação ou o sistema bancário dos EUA pressionarem ou até congelarem seus ativos, depender apenas de títulos do Tesouro dos EUA e depósitos bancários seria uma posição muito passiva.
O ouro não pertence a nenhum crédito soberano e pode ser totalmente separado do sistema tradicional de custódia por meio de cofres próprios, oferecendo uma barreira de risco importante para a Tether.
● Em segundo lugar, na era dos RWA (ativos do mundo real), o ouro é o ativo off-chain mais facilmente aceito.
A Tether, por meio do XAU₮, “fatia” esse ouro e o coloca na blockchain, transformando-o em um colateral DeFi e ativo de liquidação globalmente negociável, criando um ciclo fechado engenhoso.
4. Dois Modelos: USDT e Token de Ouro
É importante distinguir que as reservas de ouro da Tether sustentam dois modelos de produtos diferentes.
● Um deles é como parte das reservas do USDT; essas 104 toneladas de ouro aumentam a credibilidade e a resiliência do stablecoin USDT. Os usuários ainda detêm USDT atrelado a 1 dólar, sendo o ouro apenas parte dos ativos subjacentes da Tether.
● O outro é o token de ouro XAU₮, atrelado diretamente ao ouro. Cada token XAU₮ corresponde a uma onça troy de ouro físico, custodiado em cofres suíços. Até 30 de setembro de 2025, as reservas totais de ouro físico da Tether atingiram 375.572,297 onças troy, em conformidade com o padrão de entrega qualificada de Londres.
Isso significa que a Tether possui duas exposições ao ouro: uma registrada em seu balanço patrimonial e outra como reserva dos tokens XAU₮, que são reestruturados como produtos financeiros negociáveis na blockchain.
5. Impacto no Mercado: Redefinindo a Oferta e Demanda de Ouro
O movimento de compra em larga escala da Tether já começou a impactar a dinâmica global de oferta e demanda de ouro.
● O relatório da Jefferies detalha que a demanda de ouro da Tether pode, no curto prazo, apertar a oferta do mercado de ouro e influenciar o sentimento do mercado, o que pode impulsionar a entrada de capital especulativo.
● Durante a segunda onda de alta do ouro no ano (de meados de agosto a meados de outubro), o preço do ouro subiu mais 1.000 dólares, coincidindo com o aumento das compras de ouro pela Tether nesse período.
● Esse impacto se reflete não só no mercado físico, mas também no digital. O Tether Gold (XAU₮) já se tornou uma ferramenta chave para direcionar a demanda digital para o ouro físico.
● Ao expandir a utilidade do XAU₮ em múltiplos ecossistemas de blockchain, a Tether está democratizando o investimento em ouro, permitindo que investidores negociem ouro digital sem intermediários tradicionais, aumentando a liquidez e reduzindo o atrito do mercado de ouro.
6. Desafios Regulatórios e Perspectivas Futuras
A estratégia de ouro da Tether também enfrenta desafios regulatórios e incertezas.
● O Congresso dos EUA aprovou em julho de 2025 o GENIUS Act, estabelecendo um novo marco regulatório para stablecoins, mas proibindo explicitamente emissores em conformidade de usar ouro como ativo de reserva. Em resposta, a Tether já anunciou planos para lançar um stablecoin compatível com o GENIUS Act, chamado USAT, que será totalmente desvinculado do ouro.
● No entanto, é intrigante que, após a aprovação do GENIUS Act, a Tether continue aumentando as reservas de ouro do USDT. Alguns analistas acreditam que isso ocorre porque a Tether não é uma empresa americana, opera em El Salvador e considera o USDT um produto offshore, enquanto prepara um stablecoin compatível para o mercado dos EUA.
● Se a regulamentação americana decidir, no fim das contas, restringir stablecoins offshore, o portfólio de ouro da Tether pode deixar de ser apenas um projeto auxiliar e se tornar uma linha de vida.
No futuro, se uma tempestade regulatória realmente acontecer e os stablecoins lastreados em dólar forem bloqueados, as reservas de ouro da Tether serão a base para migrar para stablecoins lastreados em ouro. A fusão entre ouro e blockchain deixa de ser apenas teoria e passa a ser realidade.
Quando uma nova ordem for estabelecida, os vencedores não serão necessariamente os emissores com mais marketing, mas sim aqueles que já dominam fontes diversificadas e confiáveis de fluxo de caixa relacionado ao ouro e têm experiência em gerenciar bilhões em passivos tokenizados.
