Os nove juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos estão debatendo um caso que pode redefinir os limites do poder presidencial, cuja decisão afetará o fluxo de mais de 100 bilhões de dólares e o cenário do comércio global. No dia 5 de novembro, horário local, a Suprema Corte dos EUA realizou um debate de duas horas e meia sobre a legalidade da imposição em massa de tarifas pelo ex-presidente Trump, em uma audiência marcada por intensos debates.
Vários juízes conservadores e liberais questionaram a política de tarifas abrangentes de Trump, baseada na Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional de 1977 (IEEPA). O cerne do caso é definir os limites do poder do presidente dos EUA em relação à política comercial. O resultado da decisão não só envolve mais de 140 bilhões de dólares em possíveis reembolsos de tarifas, como também pode abalar toda a estrutura estratégica de comércio do governo Trump.
1. Cena do julgamento: questionamentos em destaque
● Na audiência de 5 de novembro, vários juízes da Suprema Corte dos EUA levantaram dúvidas contundentes sobre a legalidade da política de tarifas abrangentes do governo Trump. O debate oral, que durou duas horas e meia, destacou a importância do caso para definir o alcance do poder presidencial na política comercial dos EUA.
● O presidente da Suprema Corte, John Roberts, foi direto ao ponto ao afirmar que essas tarifas são, na essência, "uma taxação sobre o povo americano", e que o poder de tributar sempre foi uma prerrogativa central do Congresso. Sua posição indica que o governo Trump pode ter extrapolado funções que pertencem ao Legislativo.
● O juiz Neil Gorsuch demonstrou preocupação com a lógica do governo, chegando a questionar se, por essa interpretação, o Congresso poderia transferir ao presidente poderes sobre comércio exterior ou até mesmo declarar guerra.
A juíza Amy Coney Barrett, indicada pelo próprio Trump, também fez perguntas incisivas a ambas as partes.
2. Controvérsia legal: os limites do poder presidencial
● O foco da controvérsia é a política de "tarifa de reciprocidade" anunciada pelo governo Trump em abril de 2025, que impôs uma tarifa mínima de 10% a todos os parceiros comerciais e taxas ainda mais altas a alguns países.
● O governo Trump utilizou como base legal a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional de 1977 (IEEPA), que concede ao presidente o poder de "regular importações" diante de "ameaças incomuns e extraordinariamente graves".
No entanto, antes de Trump, nenhum presidente dos EUA havia utilizado essa lei para impor tarifas. Empresas americanas afetadas pela política tarifária e 12 estados entraram com ações judiciais questionando a legalidade da medida. Diversos tribunais já haviam decidido anteriormente que a aplicação da lei pelo governo Trump para impor tarifas abrangentes era ilegal.
3. Impactos potenciais: reembolsos massivos e reestruturação de políticas
Se a Suprema Corte decidir que o governo Trump excedeu seus poderes, uma série de reações em cadeia significativas será desencadeada.
● O impacto mais imediato seria que o Tesouro Federal poderia ter que arcar com mais de 100 bilhões de dólares em reembolsos de tarifas. O UBS estima que o valor dos reembolsos pode ficar entre 130 e 140 bilhões de dólares, o que equivale a 7,9% do déficit orçamentário estimado para 2025.
● Para a estratégia comercial de Trump, uma derrota significaria um duro golpe em sua tática de pressionar países a fechar acordos comerciais por meio da imposição repentina de tarifas elevadas. Sem a flexibilidade proporcionada pela IEEPA, o governo teria mais dificuldade para implementar rapidamente medidas tarifárias.
● Ainda assim, especialistas acreditam que mesmo em caso de derrota, o governo Trump não permitirá facilmente o colapso das barreiras tarifárias. O governo pode recorrer a outros instrumentos legais, como o Artigo 232 da Lei de Expansão Comercial de 1962, para restabelecer tarifas, embora esses instrumentos geralmente envolvam processos investigativos mais longos e menor flexibilidade.
4. Impacto no mercado cripto e na macroeconomia
A política unilateral de tarifas dos EUA já impactou negativamente as expectativas de crescimento econômico global.
● O Banco de Compensações Internacionais destacou em seu Relatório Econômico Anual de 2025 que a guerra tarifária iniciada pelo governo dos EUA em abril deste ano "derrubou completamente as expectativas de um pouso suave da economia mundial", causando fissuras em relações comerciais de longa data e volatilidade nos mercados financeiros.
● O relatório revisitou os sinais de um pouso suave da economia global no início de 2025, mas "a guerra tarifária repentina escureceu drasticamente as perspectivas econômicas globais". A guerra tarifária também levou empresas a adiar investimentos, reduzir contratações e famílias a aumentar reservas preventivas, impactando severamente o crescimento econômico global.
Ao mesmo tempo, o mercado de criptomoedas é altamente sensível a mudanças nas políticas comerciais.
● Analistas apontam que, caso sejam adotadas políticas comerciais mais rigorosas ou aumentadas as tarifas, a incerteza econômica global pode se intensificar, o que historicamente eleva a volatilidade do mercado de criptomoedas, já que traders tendem a migrar para ativos descentralizados como bitcoin e stablecoins.
● Com o anúncio da China de suspensão da tarifa de 24%, o preço do bitcoin voltou a superar a marca de 101 mil dólares, indicando que o alívio nas tensões comerciais pode aumentar o interesse dos investidores por ativos de risco, incluindo criptomoedas.
5. Outras medidas tarifárias e perspectivas futuras
Vale ressaltar que, mesmo que a Suprema Corte decida contra Trump, isso não afetará diretamente as tarifas implementadas com base em outras legislações.
● Por exemplo, com base no Artigo 232 da Lei de Expansão Comercial de 1962, o governo Trump já impôs tarifa de 25% sobre carros e autopeças importados e tarifas adicionais sobre madeira e derivados importados. Em fevereiro de 2025, Trump assinou uma nova ordem executiva reforçando tarifas sobre aço e alumínio. Essas medidas têm diferentes bases legais e, portanto, podem não ser afetadas diretamente pela decisão deste caso.
● O professor da Universidade de Columbia e ex-conselheiro sênior da ONU, Jeffrey Sachs, apontou que, na última década, as tarifas, restrições tecnológicas e controles de exportação adotados pelos EUA para conter a China não atingiram os objetivos esperados e, ao contrário, geraram um "efeito bumerangue", isolando a própria economia americana.

